Na Ponte da Mizarela, se fores rapaz serás Gervaz, se fores rapariga serás Senhorinha

“Quando alcançaram a Ponte da Misarela, as tropas de Napoleão depararam-se com a passagem barrada por obstáculos de grandes dimensões e com 400 homens, comandados pelo Sargento-Mor José Maria de Miranda Magalhães e Meneses, filho do Capitão-Mor de Ruivães. O sargento, que havia sido incumbido pelo seu pai de derrubar a ponte, não conseguiu convencer os seus homens a tal, visto serem naturais daquela região e alegarem a necessidade desta. Estes consentiram apenas estabelecer barreiras e obstáculos de toda a ordem de modo a impedir a passagem dos franceses. As tropas invasoras, pela ânsia de atravessar a ponte, avançaram mesmo a custo de algumas vidas perdidas. Homens foram atirados ao abismo, tal era o aperto e a confusão, mulas e cavalos, recusando-se a passar a ponte por medo, foram mutilados, abatidos ou lançados pelas ravinas. Após vários assaltos frustrados, as tropas de Soult conquistaram a Ponte da Misarela e seguiram em direção a Montalegre de forma a atingir a fronteira com Espanha”.


Começo esta crónica, partilhando convosco um bocado da nossa história, alusivo à 2ª Invasão Francesa, isto porque o lugar merece, aliás, é impossível visitar a Ponte do Diabo (também assim designada por causa da fábula), sem de imediato ficarmos apaixonados e imbuídos de uma estranha sensação; como se o local penetrasse no nosso mais íntimo e nos fizesse sentir odores, ruídos, vozes de tempos passados.


Esta velha senhora medieval, resistiu a guerras, a enxurradas do rio, ao peso das muitas pessoas e carroças que a atravessaram e deixou ao longo dos tempos um rasto de lendas que chegaram até aos nossos dias.


Os dois mitos mais conhecidos falam-nos do diabo e de um fugitivo à justiça, e o outro atribui à ponte, e às águas do Rabagão, propriedades miraculosas que viabilizam bebés ainda na barriga das mães.


A fábula do diabo resume-se assim: um fugitivo, com a autoridade no encalço, depara-se com o intransponível rio. Encurralado, evoca o diabo para o ajudar a atravessar, e em troca oferece-lhe a alma. O demo aceita de imediato o pacto e do nada faz aparecer uma ponte de pedra, que o fugitivo atravessa, mas que logo depois rui com estrondo, impossibilitando os perseguidores de passar.


Mais tarde, o homem arrepende-se de ter vendido a alma ao diabo e procura um padre para o ajudar. O sacerdote, engenhoso, dirige-se ao local onde o fugitivo atravessara o rio, evoca também o mafarrico, promete-lhe a alma, e a ponte reaparece. Nesse momento o padre retira uma caldeirinha de água benta, que trazia escondida nas vestes, asperge a ponte e recita a ladainha dos exorcismos. O diabo foge espavorido, deixando intacta a ponte que ainda hoje lá está.


Já a lenda da ponte do Salvador teve efeitos bem concretos na vida de muitas famílias, aumentadas com o nascimento de muitas Senhorinhas e Gervásios.


Este mito aconselha as mulheres com um historial de vários abortos, e que queiram levar uma nova gravidez até ao fim, a dirigir-se à ponte da Misarela. Aí chegadas, devem esperar que alguma pessoa a atravesse para lhes batizar o bebé ainda na barriga. Esse padrinho/madrinha deve recolher um púcaro de água do Rabagão, e derramá-lo sobre a barriga da grávida enquanto diz as palavras sacramentais: “Eu te batizo, criatura de Deus, pelo poder de Deus e da Virgem Maria. Se fores rapaz serás Gervaz, se fores rapariga, serás Senhorinha.”


Aposto que neste momento, perpassa pela cabeça dos/as leitores/as menos amantes de lendas e mitos a seguinte interrogação, What de fuck are you waiting to go straight to the point? 😊. Accouche my friend! 😉.


Já lá vão mais de 10 anos desde que por estes lados andei na companhia do grande amigo Pereira, aliás, foi muito mais acima, ver crónica 041 no site BdP .

Na altura achamos a volta de Puta Madre pela beleza das paisagens e pela dureza do percurso, em que a partir de determinado local (Porto da Laje - represa), andamos com as nossas cabras ao ombro durante quase 2h00.


Diga-se de passagem, que ninguém nos ouve, que até hoje ainda não tive conhecimento que alguém tivesse realizado esse percurso de bicla, friso bem, de bicla, vá se lá saber porquê.

Psst, se alguém porventura, já o fez, que se manifeste aqui neste espaço, de forma que todos nós, nos deleitemos e quiçá nos motivemos para iniciar ou repetir essa volta 😊.


Quem segue as minhas estórias nos diferentes espaços (site BdP, FBTT e FB) sabe que sofri: Um ano de Pandemia! Um ano de cancelamentos sucessivos de viagens! Um ano sem pousar o pé em Terras Lusas!


A sede de rolar em Portugal e sobretudo nesta zona era tanta que quando o amigo Pereira me enviou o primeiro esboço do track, com 27 kms e 1’477 mts de acumulado positivo, o je, sugeriu algumas poucas alterações e passávamos a realizar 47 kms e 2’291 mts de acumulado 😉.


Por vezes, sofro de gula e acreditem que não falo da técnica aplicada com a ajuda de uma plaina para amoldar os frisos das portas 😊. O Pereira, homem de extrema sapiência e conhecimento do terreno, conseguiu-me mostrar, a mim, jovem adepto de São Tomé, que poderia eventualmente efetuar algumas alterações para aumentar o n° de kms, mas nunca a altimetria, pois para ele BTT deve rimar com prazer e não sofrimento.


Com a versão final do track definida, o Pereira encarregou-se de enviar um convite às restantes tropas.


Marcaram presença o Nicolau, o Barros, o Adilson, o Rolando, o Bruno, o Pedro, o Hugo e o Ettore. Tirei duas chapas propositadamente, a pensar em todos aqueles que gostam de associar uma cachola a um nome 😉.


Eramos 10 betetistas, seis em bicla movida a força pernal e quatro em bicla movida a força baterial 😊.


Peço desculpa, mas assim como antigamente tinha por lema nunca discutir com amigos e conhecidos de futebol, política e religião, hoje, acrescentei covid, vacinação e e-bikes 😉. Infelizmente, constato que todos estes temas, rapidamente geram discussões com muito nonsense à mistura.

Em relação às biclas, passa-se o mesmo que em relação ao futebol, isto é, tanto o futebol americano como o futebol europeu, são designados de futebol, mas na prática, um joga-se com as mãos e o outro com os pés, logo as sensações nunca podem ser as mesmas.


A volta desenhada é circular, isto é, termina e acaba em Fafião. Todo o percurso é uma contínua paisagem deslumbrante! Passámos por várias localidades, Chãos, Xertelo, Sidrós, Cabril, Pincães. Falhamos por uns míseros 50 mts de desnível a Cascata de Pincães (fica para uma eventual próxima visita).


Impõe-se uma paragem adequada/longa, na Ponte da Mizarela, para tirar fotografias e apreciar a beleza do local histórico que a rodeia. O Miradouro de Fafião é outra visita obrigatória. É fantástico! O alcance visual é enorme, aliás, na chapa tirada, conseguimos ver o Miradouro de São Mamede (Frades - Póvoa de Lanhoso), situado a +/- 16 kms à vol d’oiseau.


Foi um excelente dia de BTT com temperaturas amenas e com nevoeiro, chuva, mas também muito sol!


Nesta zona, assim como em todo o Gerês, quando sobe, sobe e quando desce, desce.

Confesso que não se trata de uma volta fácil, sobretudo o regresso a partir da Ponte do Diabo.


Percorremos todo o tipo de terrenos, uns, adequados à prática de BTT, outros, para caminhadas, mas para mim, BTT é isso mesmo, umas vezes ao lado dela, outras atrás dela, outras ainda ao ombro e se a coisa correr bem, aí sim temos direito ao, em cima dela 😊.


No final e porque fomos os últimos clientes, privatizamos o restaurante local “Fojo dos Lobos”, onde nos deleitamos com algumas iguarias, isto porque como se diz por aqui après l’effort, le réconfort ou como alguém escreveu e bem “Como sempre, o objetivo destas voltas não é pedalar, mas sim um pretexto para um almoço entre amigos num restaurante, ainda por explorar, sempre que possível!”


Vamos aos dados da volta.


- Altitude máxima – 724 mts

- Altitude mínima – 271 mts

- Acumulado de subida – 1’516 mts

- Acumulado de descida – 1’518 mts

- N° total de Kms – 35 kms


À semelhança do que já fiz noutras ocasiões, quero aqui deixar por escrito, o meu maior agradecimento ao amigo Pereira, pela organização (track, restaurante, convites, etc…).

As boas e grandes amizades são assim, longe da vista, mas sempre perto do coração 😊.


Quero também agradecer a disponibilidade de tempo e boa disposição aos restantes companheiros, Nicolau, Barros, Adilson, Rolando, Bruno, Pedro, Hugo e Ettore. Todos vós, cada um, à sua maneira, sois especiais e tendes um lugar cativo no meu coração e mais não digo, sob pena de começar a cantar a música do Bonga 😉.

Como diria o historiador Jules Michelet “O difícil não é subir, mas, ao subir, continuarmos a ser quem somos”.


Cumprimentos betetistas e até à próxima crónica…


Alexandre Pereira

Um Bravo do Pelotão, neste caso sem…

Podem visualizar esta crónica com os respetivos comentários às fotos no FORUM BTT . Ler o post (resposta) #1'118 e 1'119.