Gorges du Dailley e Gorges de Trient ou o dois em um

Carlos Drummond de Andrade disse certa vez que “Perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes”. Foi exatamente com esta ideia em mente que tentei definir a minha próxima missão.

Nas minhas anteriores crónicas atravessei lagos, subi montanhas, caminhei ao lado de glaciares, desci encostas abruptas, visitei castelos, atravessei florestas, andei em trilhos vertiginosos; pelo que desta vez decidi mais uma vez surpreender (nas Terras Helvéticas há sempre “pano para mangas” é só uma questão de tempo e vontade).

Como até à data nunca tinha visitado uma garganta (passagem estreita e íngreme entre duas montanhas) resolvi que estava na hora de tal como cantava Ray Charles “Hit the road Jack”.

Após aprofundadas pesquisas, a minha escolha recaiu sobre as “Gorges du Dailley” (1’280 mts) e as “Gorges de Trient” (460 mts). Uma vez que as duas gargantas não ficavam muito distantes uma da outra (como sempre, tento rentabilizar o investimento em tempo e “money”), pareceu-me boa ideia realizar um dois em um.

As gargantas resultam na sua grande maioria da erosão (cerca de 1 cm por ano) provocada ao longo de milhares de anos pela água resultante do degelo dos glaciares.

A imagem de marca das “Gorges du Dailley” são os seus 700 degraus em madeira colocados sinuosamente nas encostas da garganta em paredes que a olho nu parecem intransponíveis (o engenho humano é qualquer coisa). Foram abertas pela 1ª vez ao público em 1895, mas com o passar do tempo foram-se degradando e agora passado 20 anos de obras caritativas voltaram a ganhar o esplendor do passado. É um local não aconselhável a quem sofra de vertigens e ao longo do percurso vencemos cerca de 250 mts de desnível em 300 mts de caminhada.

O que nos marca nas “Gorges de Trient” é a sensação de profundidade, isto é, entramos 800 mts nas entranhas da montanha (horizontalmente falando) e estamos quase a 200 mts de profundidade (verticalmente falando). Abertas em 1860 ao público, por aqui passaram Jean-Jacques Rousseau e Goethe entre outros. Sabia de antemão que talvez fosse encontrar este local encerrado (fecham a 30 de Setembro e abrem a 01 de Maio) por motivos de segurança (queda de gelo). Como diz o povo “quem não arrisca não petisca” e neste caso valeu a pena a minha insistência ou como diz Fernando Pessoa “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Embora tenha rapado bastante frio devido à localização das gargantas, esta volta traduziu-se à semelhança de outras num “moment d’émerveillement et vrai bonheur”.

A volta saldou-se em cerca de 15 kms de caminhada.

Termino esta crónica com uma afirmação de Goethe com a qual me identifico “A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas”.


Cumprimentos betetistas e até qualquer dia…

Alexandre Pereira

Um Bravo do Pelotão, neste caso sem…

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