Por breves instantes, junto do Lac Arnensee julguei que estava no Canadá

O poeta alemão Heinrich Heine escreveu certa vez que “Se queres viajar até às estrelas, não procures companhia”.

Como o compreendo! Já lá vão quase 10 anos que viajo aqui pelas Terras Helvéticas na maioria dos casos sem companhia e só posso dizer que tenho feito agradáveis descobertas.

Há já bastante tempo que não vinha para estas bandas, isto é, para os lados dos “Diablerets”, se não estou em erro há quase dois anos.

Na altura quando me encontrava a 2’941 mts de altitude e a percorrer os 107 mts da Peak Walk Bridge, reparei ao longe num lago mesmo por detrás do “Col du Pillon” donde partem os teleféricos que nos conduzem ao Glacier 3000.

Em pesquisas no Google Earth, vim a descobrir que esse lago é o “Lac Arnensee” também conhecido sob o nome de “Lac d’Arnon” e que fica a 1’542 mts de altitude. Pois fiquem sabendo que esse lago é artificial 😊.

Ao consultar o cardápio de voltas do grupo maluco que sigo, constato que eles até têm uma volta para esses lados e que arranca precisamente no “Col du Pillon” a 1’547 mts.

A ideia era subir daí até ao “Col des Andérets” aos 2’034 mts e de seguida descer até ao lago e depois ir até “Gsteig bei Gstaad” a 1’202 mts, para finalmente seguir viagem até à vila “Les Diablerets” a 1’158 mts, onde apanharia o comboio de regresso a casa (quase 2 horas de viagem 😊).

A subida até aos 2’034 fez-se nas calmas, passei por “Isenau” onde já fiz por duas vezes raquetes e pelo “Lac Retaud”, imortalizado por duas chapas.

Os meus amigos malucos, mais uma vez, fizeram jus ao nome, isto porque para chegar ao “Lac Arnensee”, foi um sacré bico d’obra para descer aqueles singles onde penso que nem as cabras se arriscavam tamanha era a profundidade dos regos, provocados pelas chuvas e degelo das neves, enfim, nunca mais aprendo 😊.

Em muitas ocasiões, aliás na grande maioria foi ao lado da minha fiel amiga que viajei, ou com ela às costas, mas na boa, sem espiga, é disto que eu gosto, devagar, mas sempre para a frente, o que é preciso é manter sempre a calma.

Quando um homem não conta as horas, nem olha para o relógio, acaba sempre por atingir o objetivo fixado e como não podia deixar de ser, acabei por chegar ao lago.

A margem esquerda do lago encontra-se asfaltada pelo que para atingir a outra ponta do lago demoraria cerca de 5 minutos, mas quem segue estas crónicas, sabe que nunca vou pelo caminho mais fácil 😊. O que fez com que eu optasse por ir pela margem direita, foi nem mais nem menos que um lindo sinal de proibido a bicicletas 😊.

Acreditem, eu não queria, mas lá está, o meu lado anarquista, anticonformista a dizer-me para ir por aí, c’est comme ça j’y peux rien, e claro está, depois é o corpo que paga, e neste caso foram mais de 30 minutos com ela quase sempre à mão.

Aposto que neste momento estão vocês a perguntarem-se porque é que não pedalei, pois bem, já que insistem, passo a explicar.

Meus amigos (as), convém não esquecer que estamos no chamado Oberland Bernois e aqui falamos e pensamos alemão, finito, la manière de penser ou d’agir à la française (liberté, égalité, fraternité), aqui, estamos em terreno minado, em que para além de estar com uma bicla onde não deveria, arrisco-me a que alguém mais zeloso (aqui são quase todos 😊), ligue para a polícia ou para o organismo de proteção desta zona a informar que um energúmeno de um portuga está a montar uma cabra, onde não era suposto.

Como em tudo na vida, temos sempre de ver o lado positivo da coisa e neste caso, pude apreciar calmamente o lago (digam-me lá se algumas das fotos não vos fazem pensar no Canadá, mas aqui, o risco de cruzar ou ser atacado por um Grizzly é zero), cruzar várias pessoas, falar em várias línguas e sobretudo mais importante que tudo, não tive de mandar ninguém ir visitar a sua genetriz em alemão 😊.

Tinha planeado abancar-me no único restaurante que se encontra nessa zona, mas acabei por desistir isto porque estamos em plena pandemia e para frequentar o dito, tinha de seguir um percurso definido que passava por entrar pelo rés do chão, passar pelo primeiro e se tivesse sorte poderia sentar-me na esplanada. Achei que uma ou duas cervejas não valiam todo esse esforço 😊.

Enquanto cogitava se ia ou não ia, cheguei à conclusão de que sou um betetista pré-histórico em vias de extinção, pois não é que contei 13 biclas estacionadas, de todos as marcas e feitios e para meu espanto, todas elas eram elétricas 😊.

Enquanto isso, chega junto de mim um tipo acompanhado da sua cara metade, que me questiona se falo inglês, ao que anui e que me explica que estava sem telemóvel e me pergunta como é que chegava a “Feutersoey”, onde queria apanhar o autocarro que o iria conduzir aos “Diablerets” onde deixou o carro. O homem apenas tinha um mapa grosseiro dos horários dos autocarros e comboios.

Como bom samaritano que julgo ser, saco do telémóvel e com a ajuda do Google Maps, explico-lhe por onde tinha de ir, seguindo sempre a estrada asfaltada (tinham de caminhar pr’a ca….o).

Confesso que nunca mais pensei neles, e lá fui seguindo o meu track, sempre a subir e a racionar a água, isto porque estava um dia de calor do caneco e água nem vê-la.

Ao fim de duas horas, parei numa zona a descer para ver no Google qual era a aldeia que via ao longe e não vão acreditar, era “Feutersoey”.

Mas o melhor está ainda para vir, ele há coisas fantásticas, não é que nessa descida, mais à frente, vejo duas pessoas a correr e não adivinham? Eram os dois caminheiros encontrados junto ao restaurante, que corriam que nem loucos porque tinham receio de perder o último autocarro que passava na zona.

É nestas alturas que a afirmação “o mundo é apenas uma aldeia” faz todo o sentido 😊.

Termino esta crónica com os dados da volta.

- Altitude máxima – 2’034 mts

- Altitude mínima – 1’126 mts

- Acumulado de subida – 1’280 mts

- Acumulado de descida – 1’669 mts

- N° total de Kms – 36,5 kms

Confesso que esta é uma daquelas voltas que não me incomoda repetir, mesmo apesar da dificuldade encontrada em certas zonas. Claro está que devido a estas mesmas dificuldades, nunca a poderia realizar de elétrica ou acompanhado por pessoas que não entendem a beleza deste meu BTT, quando um tipo tem de passar duas ou mais horas ao lado da sua fiel amiga ou com ela às costas, mas isto sou eu 😊.


Cumprimentos betetistas e até à próxima crónica…

Alexandre Pereira

Um Bravo do Pelotão, neste caso sem…

Podem visualizar esta crónica com os respetivos comentários às fotos no FORUM BTT. Ler o post (resposta) #1'012 e 1'013.