Mont Tendre – The revenge

Decorreram dois meses sobre o meu infortúnio em conseguir “climbar” esta montanha. Ao longo deste tempo e sempre que passava nas redondezas lá estava ela toda sorridente, como que a provocar-me “anda lá, estás à espera de quê?” e eu impávido e sereno lá ia deglutindo como podia estes “sapos”.

Como diz o adágio “a vingança é um prato que deve ser servido frio” e durante este período passei imensas vezes perto e a cada passagem aumentava em mim o desejo de “revenge”. Na maioria das vezes este sentimento até era acalmado pelas péssimas condições meteorológicas que se faziam sentir no topo e isto ainda me dava mais ânimo para exclamar em “guise” de contentamento “anda lá que não esperas pela demora”.

O tempo ia fluindo, muito graças às intempéries que se abateram aqui nas Terras Helvéticas, mas como em tudo na vida, há um momento em que as coisas acabam por acontecer e lá chegou o famigerado “pay back day”. Confesso que andava em cima da meteorologia como um predador anda em cima da sua presa, virando quase obsessão.

No dia “H” e porque neste momento continuamos a ter um “shit weather” disse para comigo “ou é hoje ou nunca mais”.

Passei duas semanas do caneco em que apenas dormia três a quatro horas por noite “ossos do ofício”, mas um “bravo” e logo este é dos tais que prefere partir a dobrar. A vontade motivada pelo cansaço não era muita mas impunha-se uma resolução e como não podia deixar de ser, respondi à provocação.

À hora estipulada, sim porque estes confrontos assemelham-se a duelos de vida e morte, verdade seja dita, glória aos vencedores e honra aos vencidos, posso afirmar que este não foi fácil como já era de calcular (quem me manda a mim provocá-los).

Arranquei tal como da outra vez de “Montricher” a 675 mts e daí comecei a ascensão. Embora fizesse algum calor, sabia pelas manchas brancas visíveis ao longe que iria eventualmente encontrar ainda alguma neve, mas nada parecido com meu último encontro.

Gradualmente fui subindo, numa cadência um pouco acima do habitual, isto porque em 1º lugar, os 10 kms iniciais eram já meus conhecidos e em 2º lugar porque avizinhava-se a aproximação duma valente descarga de água. O céu a cada hora que passava tornava-se cada vez mais sombrio, parecia que as trevas desejavam impor a sua vontade.

Enquanto subia, um homem enquanto sobe, tem muito tempo para pensar na vida, assim sendo, dei comigo a relembrar pessoas que já me “quitaram”. Relembrei episódios de vidas passadas, de momentos sublimes, cómicos, tristes, etc… e para cúmulo ia-as contabilizando e cheguei à seguinte conclusão. Um homem ao longo da vida vai atrás de +/- 300 pessoas e eu já vou em metade. O BTT tem destas coisas, há quem pura e simplesmente só ouça música enquanto rola e eu gosto de ter a mente ocupada. Como dizem os Suíços “chacun son truc”.

Com este “mixte” de saudade e aritmética, quando dei por ela já me encontrava num dos primeiros patamares. Aí, pude constatar e observar a verdadeira beleza do “Jura”, que se caracteriza sobretudo por imensas florestas de coníferas entreabertas de grandes “open spaces” onde o verde nos seus mais diversos “dégradés” é a cor principal.

Quando me preparava para continuar viagem eis que vejo ao longe um grupo de 4 betetistas que ao invés de mim vinham a descer o trilho. Esta zona é muito difícil e técnica a descer (as fotos falam por si) devido à imensa quantidade de rochas existentes a descoberto; aliás esta zona recordou-me a área do PNSAC (Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros) onde recentemente se realizou o último PUF. Como há já bastante tempo que não cruzava com betetistas em montanha, aproveitei para fixar o momento e meter conversa com eles. Soube que eram de “Fribourg” e tal como eu, gostavam de variar os seus percursos, fazendo escala por diversas zonas das Terras Helvéticas. Fizeram-me as perguntas do costume, donde és, o que fazes, etc…

“I don’t know if you notice” mas para esta volta vesti um dos jerseys da maratona de Barcelos. Estes jerseys possuem uma imagem bastante apelativa, sobretudo o galo estilizado, foi aí que um dos intervenientes me colocou duas questões “d’affilé”, 1ª o que simbolizava o galo e 2ª onde ficava Barcelos. Como bom português deslocalizado que sou, dei uma de guia turístico e falei-lhes da lenda e eles todos maravilhados (a cultura não ocupa espaço).

Dito isto, lanço aqui uma sugestão a toda a malta que organiza maratonas, façam jerseys onde incluam a bandeira nacional e/ou a indicação de Portugal (por extenso). Não onera assim tanto o preço de custo e embora pareça redundante o certo é que muita malta hoje já não se limita a rolar somente em Portugal, levando o “mui nobre” nome desta nação (que muitos maltrataram) pelos quatro cantos do mundo.

Após este descanso de dez minutos, toca a seguir viagem e preparar-me para andar com ela bastante tempo ao ombro, mas BTT é isso mesmo.

À medida que ia subindo, cruzei vários “randonneurs” de diferentes nacionalidades, uns a subir outros a descer, mas dava gozo ver as suas caras de espanto por me encontrarem por ali, com uma bicla às costas, digo ao ombro 😊.

Foi nesta altura que atravessei uma das mais extensas áreas ainda coberta com neve. Afinal estamos quase a meio do mês de Junho e ainda encontramos neve abaixo dos 2’000 mts (ele há coisas fantásticas).

Enquanto subia ia admirando a paisagem circundante, pena que devido ao “fog” e bruma existente, não deu para tirar fotos das montanhas e de toda a zona envolvente do “Lac Léman”. Sabia de antemão que esta zona é bastante fustigada por estes fenómenos (muito húmida).

Por fim cheguei ao topo do “Mont Tendre” a 1’679 mts e como sempre fiz a foto da praxe, neste caso debaixo de uma pirâmide (ver foto) com funções similares aos nossos marcos geodésicos (mas + barata).

A partir d’aqui sabia que me aguardavam mais de 13 kms de descida. Agora sim poderia confirmar se os quatro betetistas cruzados fizeram a melhor escolha ao subirem a montanha por este lado e como vim a descobrir a maior parte do trilho foi asfaltada para que os veículos pudessem ter tração tal era o grau de inclinação. Esta parte do trilho permitiu-me atingir velocidades superiores a 60 kms e em menos de ½ hora engoli estes 15 kms. Claro que houve momentos de pura loucura tal era a velocidade, aliás numa curva em gancho, que surgiu assim, do nada, tive mesmo de sair numa escapatória.

Chegado a “Montricher” aproveitei para dar umas voltas pela aldeia onde estavam a ser montadas bancadas e casinhas de comes e bebes para o bailarico que iria decorrer ao entardecer. Olhei para o céu e este apresentava-se de um negro bastante escuro e a passos largos caminhava uma tromba de água. Neste fim de tarde sentia-se no ar seco o aproximar da carga d’água, nos campos agora por lavrar a erva do pousio era mestra e senhora e o todo embelezado pelos concertos das cigarras. Perante este cenário, senti-me em paz comigo próprio, aliás este avivou em mim, memórias de outros tempos, de uma série que passava nos idos anos 80, aos sábados, “Conan”, lembram-se?

Esta volta ficou-se por uns míseros 34 kms e +/- 1’250 mts de acumulado de subida, a ver vamos se o tempo d’aqui para a frente irá melhorar, pois consta-se que desde 1983 que as Terras Helvéticas não tinham um tempo assim tão “pourri”.

James Allen disse certa vez "O homem sereno descobre em si mesmo a fonte da felicidade e do conhecimento, fonte que nunca seca" e o “Jura” é a zona ideal das Terras Helvéticas para quem gosta de meditar e estar em paz consigo mesmo.


Cumprimentos betetistas e até à próxima crónica…

Alexandre Pereira

Um Bravo do Pelotão, neste caso sem…

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