No Lac de Joux a neve impediu-me de atingir o objetivo do dia

É estranho como após quase um ano e com a ajuda das chapas tiradas ainda consigo recordar esta volta em quase todos os seus detalhes.

Recordo-me perfeitamente da criança que entrou no comboio em cadeira de rodas e cuja ama vendo-me com esta crina de cabelos brancos resolveu sentar a meu lado.

Embora com uma deficiência motora que lhe impedia qualquer movimento da cintura para baixo e com algum atraso na fala, via-se pelos comentários e pela forma de ser que era uma menina feliz. Deveria ser pouco mais velha que a minha filha e é por isso que ainda nos toca mais, pois como sabem estar vivo já por si é um milagre, mas de perfeita saúde ou inteiro é na minha opinião uma questão de sorte na roleta russa da vida.

Não sei, esta rapariguita tocou-me, ou sou eu que estou a ficar velho e comovo-me facilmente com a simplicidade das pessoas. Um gajo quando viaja de comboio, sozinho e por longos períodos, fica com imenso tempo para pensar na vida, naquilo que se propôs atingir e já atingiu e naquilo que ainda falta realizar; naquilo que fez de bem na vida e naquilo que fez de menos bem. Prefiro dizer menos bem em vez de mal porque a vida é um processo, uma aprendizagem em que na minha opinião o conceito de mal é sempre muito relativo. Normalmente aproveito estes momentos para realizar “une sorte de” exame introspetivo, sim porque estimo que o melhor crítico de um homem tem de ser ele próprio, pois só assim nos tornamos pessoas melhores.

É nesses momentos que dou graças a Deus, pela vida, pela família, pelos amigos que tenho e que bem ou mal tenho conseguido ser feliz e propiciar felicidade aos outros.

Não meus amigos, não estou a delirar, nem doente, nem com qualquer tipo de sentença de morte em cima da cabeça ou doença em fase terminal, apenas penso que por vezes temos de parar um pouco e voltar ao básico, voltar a sentir emoções que esta sociedade nos tem obrigado a recalcar.

Por vezes bastam pequenas cenas do dia-a-dia para que a nossa vontade de viver cresça exponencialmente. A menina enquanto decorria a viagem lá ia cantarolando com a irmã e com a ama e quando dei por ela, estava na hora de sair na estação de “Le Chenit” a junto ao “Lac de Joux”.

Despedi-me das meninas e da ama com um eloquente “Merci pour ce moment si chaleureux! Je vous souhaite une agréable journée et à toi en particulier, que la joie de vivre ne cesse de t’accompagner toute ta vie!” e lá desci a minha fiel amiga do comboio.

Os primeiros quilómetros foram realizados junto ao lago por entre frondosas florestas e que vista, aliás confesso que ao ver o álbum fiquei com a sensação de ter realizado esta volta no final da época das neves, mas a data não deixa dúvidas.

Três semanas “auparavant” tinha efetuado esta mesma volta com os meus 2 companheiros e uma terceira pessoa, mas como esta malta nesse dia estava com “le feu au cu”, acabamos por nos separar e eu acabei por falhar um famosíssimo single de +/- 7 kms.

Tudo isto aconteceu porque a malta não respeitou a sagrada regra de que nos cruzamentos ou bifurcações tem de se aguardar por quem vem atrás. Eu optei pelo caminho da esquerda quando deveria ter seguido pelo da direita indicado pela placa, aliás esta até tem o desenho de uma bicla. Não esquecer que esta zona é feita a descer, com alguma velocidade, logo placa nem vê-la na altura, agora vi porque andava à procura da placa e queria evitar fazer o mesmo erro 😊.

Esta brincadeira na altura custou-me 45 minutos de espera junto ao ponto de partida, pois não sendo o “feliz” proprietário da “biatura” que nos trouxera, tive de aguardar ao frio a chegada dos meus companheiros.

OK são “shits” que acontecem, mas meus amigos, este tipo de situações poderiam ser evitadas 😊.

Quando um homem pedala sozinho tem outra liberdade de movimentos, pára quando quer, como quer e não tem de dar cavaco a ninguém. Aliás foi em dois desses momentos que tive oportunidade de ver e me aproximar de “Chamois”, animais típicos aqui do “Jura”, mais conhecidos entre nós por Camurça ou Rupicapra rupicapra. Aposto que a partir de agora vão voltar a utilizar panos para limpar os vossos “beiculos” 😊!

À medida que a volta foi fluindo, foi também aumentando a altitude, pelo que a partir dos 1'300 mts encontrei neve. Como não sou de me assustar à primeira, lá fui teimando e à medida que me embrenhava na floresta, ora em cima dela, ora ao lado dela, lá me ia convencendo que talvez fosse altura de abortar a volta.

Reconheço que sou casmurro que nem uma mula e então quando rolo só, a coisa tem tendência a piorar, portanto, meti-me na cabeça que tinha de pelo menos chegar ao local onde há 3 semanas tinha “cassado a croute” (aquela árvore não engana ninguém, foi lá que eu e os companheiros marcamos o território, como diz o povo, onde mi.. um português, mi... logo dois ou três 😊). Julguei que estava mais perto, mas como vim a constatar ainda me encontrava a cerca de 5 kms.

Em muitas das fotos, são visíveis marcas de pneus na neve, desengane-se quem julgar que isso facilita quer a subir ou a descer. O problema é que nesses locais a neve transforma-se em gelo e nem com a ajuda dos “cleats” a malta consegue andar corretamente.

Não resisto a partilhar convosco um pequeno aparte em relação à palavra “cleats”, não sendo esta uma palavra que utilize todos os dias e na minha busca de tentar escrever corretamente, procurei a mesma no google, pelo que escrevi “clits das sapatilhas”; nem imaginam a quantidade de sites que desfilaram com produtos de cariz sexual, ele era vibromassajadores de todos os feitios e tamanhos 😊.

Após cerca de 6 kms a caminhar que nem um astronauta em “apesanteur” e tendo finalmente chegado ao local do dito erro, rendi-me à evidência que não tinha outra solução que não fosse abortar a volta. A neve tinha-me mais uma vez vencido 😊.

Como diria Cícero “Nunca estou mais acompanhado do que quando estou sozinho”, pois foi assim que me senti ao longo desta volta e é assim que me sinto sempre que rolo só. Sei que vários “users” deste espaço que habitualmente rolam sozinhos, sabem do que falo 😊.


Cumprimentos betetistas e até à próxima crónica…

Alexandre Pereira

Um Bravo do Pelotão, neste caso sem…

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